terça-feira, 11 de junho de 2013

A Arte de Pensar Poesia: Literatura de Cordel

A Arte de Pensar 



A ARTE DE PENSAR POESIA:
Literatura de Cordel – A Cultura de um Povo



Figura 1: Procedimento Sequência Didática
                                         Fonte: Dolz; Noverraz e Schneuwly, 2004[2001], p. 03

No decorrer dos módulos foi proposta uma coletânea de atividades com múltiplas elaborações que “permitisse ao aluno compreender melhor a tarefa que lhe é proposta.” Todo esse caminhar teórico-prático tem como finalidade “levar os alunos a um melhor domínio da língua.” (DOLZ; NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004[2001], p. 06 e 20). A partir desse esquema, a produção final compreende uma avaliação somatória que demonstre a aprendizagem do gênero poemas de cordel dialogando com uma prática educacional construtivista.


O gênero Cordel
No universo de poemas de cordel, os poetas do povo com seus poemas lírico-narrativos revelaram o cotidiano, os costumes, os desejos de um povo simples de alma poética contando suas histórias, suas crendices, as inquietações humanas. A dedicatória contida no livro de cordel de Cora Coralina interpreta a alma dessa literatura de Cordel:

 Pelo amor que tenho a todas as estórias e poesias de Cordel, que este livro assim o seja, assim o quero numa ligação profunda e obstinada com todos os anônimos menestréis nordestinos, povo da minha casta, meus irmãos do nordeste rude, de onde um dia veio meu Pai para que eu nascesse e tivesse vida. (CORALINA, 1986).

O cordel, diferentemente de outros gêneros literários, dirige-se ao povo, por isso os temas, a linguagem e a forma de tratar determinadas questões devem ser relacionadas à cultura popular. Os poetas buscam inspiração no folclore, na religião, em fatos marcantes da comunidade ou mesmo na imaginação - uma visão poética do universo e dos acontecimentos (BRASIL, 2008). Elucida Freire (1980, p. 07), a uma educação libertadora que “contribua para formar a consciência crítica e estimular a participação responsável do indivíduo nos processos culturais, sociais, políticos e econômicos”.  O autor esclarece que:

[...] o diálogo exige igualmente uma fé intensa no homem, fé em seu poder de fazer e refazer, de criar e recriar, fé em uma vocação de ser mais humano [...] o homem de diálogo é crítico e sabe que embora tenha o poder de criar e de transformar tudo, numa situação de alienação, pode-se impedir os homens de fazer uso deste poder.  (FREIRE, 1980, p. 83, 84, grifo do autor).

Apesar de sofrer influências da modernidade, ainda hoje, o gênero Cordel continua tendo uma função social de ensinamento, de aconselhamento, muitas vezes transformada em transmissão de informações. É uma atividade artística de contar histórias com valores morais. Muito difundidos na região nordestina, os folhetos poéticos ficam pendurados por cordões ou barbantes como também em uma pequena mala ou espalhados sobre uma lona em exposição nas feiras culturais, e seus versos são declamados nas feiras do nordeste brasileiro. (SÃO PAULO, 2010). Em Dolz e Schneuwly (2004 apud Bentes, 2012, p. 06) explicam que: 

[...] um dos mais importantes domínios da comunicação humana é o domínio do registrar (manter vivas na memória) as ações humanas. Esse gênero serve justamente para isso: fazer com que nossas ações passadas sejam revividas/registradas pela linguagem.

O cordel, tradicionalmente, conta uma história que costuma narrar as dificuldades e sofrimentos de um herói que, ao final, triunfa e será recompensado. Apresenta uma situação de equilíbrio, desenvolve um conflito e termina restaurando o equilíbrio. Remete, frequentemente, a passagens bíblicas ou de fantasias; lutas e conflitos entre o bem e o mal, em que o bem sempre vence. Por manter um vínculo estreito com a oralidade, muitas vezes, o poeta “chama” o leitor/ouvinte para tomar posição quanto ao tema. Os textos costumam ser longos para abarcar todas as peripécias, venturas e desventuras do herói. As imagens de capa dos livretos, geralmente, xilogravuras artesanais, costumam também ser uma marca característica da Literatura de Cordel. (SÃO PAULO, 2010).

[...] Criar contextos de produção precisos, efetuar atividades ou exercícios múltiplos e variados: é isto que permitirá aos alunos apropriarem-se das noções, técnicas e instrumentos necessários ao desenvolvimento de suas capacidades de expressão oral e escrita, em situações de comunicação diversas. (DOLZ; NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004[2001] p.02).

Originalmente, uma narrativa oral popular, o texto de cordel conserva marcas de oralidade, e a forma em verso tem o objetivo de facilitar a memorização para ouvintes muitas vezes analfabetos. (BRASIL, 2008). Marcuschi (2001, p. 25) distingue a oralidade como sendo “uma prática social interativa para fins comunicativos que se apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora; ela vai desde uma realização mais informal a mais formal nos mais variados contextos de uso.”

[...] oralidade e escrita são práticas sociais que não estão em oposição, mas são complementares entre si; [...] quando escrevemos, também podemos trazer a oralidade para dentro da escrita por meio de vários recursos: pontuação, manipulação das fontes das letras, apelo direto ao interlocutor por meio do trabalho com as pessoas do discurso, seleção lexical. (BENTES, 2012, p. 08).

Pela finalidade de aconselhamento, ensinamento popular, por exemplo, o cordel se aproxima dos provérbios; por meio da forma poética, o cordel se aproxima dos poemas. As fronteiras que demarcam os diversos gêneros não são muito rígidas e podem ser alteradas com o tempo, com a história dos textos e com o uso que os falantes fazem deles. Por isso, é conveniente trabalhar com as características predominantes na classificação dos gêneros.

Observação do exemplar do gênero em questão; sistematização de suas principais características; compreensão dos fatores que possibilitam sua compreensão (intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade); conhecimentos prévios dos alunos sobre o gênero; produção do gênero na sala de aula. (BRAGA e BUZATO, 2012, p. 02).

Nesse cenário, pode-se ensinar o gênero cordel; completa Braga e Buzato (2012, p. 08): “Dominar as normas e entender as convenções de sentido que regem as diferentes semioses ou linguagens é necessário para sermos leitores e produtores críticos.”

As atividades de observação e de análise de textos [...] Estas atividades podem ser realizadas a partir de um texto completo ou de uma parte de um texto; elas podem comparar vários textos de um mesmo gênero ou de gêneros diferentes. [...] (DOLZ; NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004[2001] p.10 e 11).

A denominação Cordel vem do provençal, significando cordão. Na Europa, nosso berço literário, Cordel era tudo que ia para a corda: livretos com orações, contos, quadrinhos etc.. É no Brasil, mais precisamente no Nordeste, que a Literatura de Cordel ganha à conotação de narrativa em versos, além de outras conotações, como a de jornal, a de revista; pluridimensional – instrumento especial e preciso do povo. (SÃO PAULO, 2010). A literatura de Cordel apresenta uma linguagem própria que conserva os arcaísmos, que não são outra coisa senão o falar da gente brasileira, geralmente do meio rural, tornando-se um vasto e inesgotável terreno, não só para historiadores, como para investigações dos linguistas. Por muitos considerada uma arte “menor” associada à cultura dos iletrados, com a valorização das formas de expressão populares, o cordel alcançou o estatuto de prestígio na literatura. E não perdeu as características de um gênero intermediário entre a oralidade e a escrita, em que o sujeito narrador dialoga com os fatos e com os ouvintes/leitores. Por essas razões, podemos dizer que representa uma transição entre a cultura popular e a literária. (BAHIA, 1997).
Portanto, o conhecimento parte de uma leitura contextualizada e é isso que propõe Freire (1980, p. 86), quando conceitua a essência da consciência como “um caminho para idealização.” Freire (1980, p. 94) proclama uma sociedade mais justa que aconteceria através da “revolução cultural”.  Em Bazerman (2006, p. 19): “[...] A abordagem social de gênero transforma-o em uma ação social, e assim em uma ferramenta de agência”. Diante dessas colocações dos autores, conscientiza-se sobre o valor do diálogo construído na capacidade do sujeito “des-velar a realidade,” porque “os oprimidos são emocionalmente dependentes” (FREIRE, 1980, p. 61). Conscientização, para não cairmos no preconceito linguístico ou social, Freire revela o quanto é importante o diálogo com o leitor: “transformando a consciência ingênuo-transitiva para uma consciência crítica, através do diálogo.” (FREIRE, 1980, p. 07).
Observa-se na estrutura composicional e estilo do Cordel, primeiramente, a capa com título que aponta para a temática, ilustrada por desenhos, xilogravuras, fotografias etc. Os folhetos normalmente apresentam 8 ou 16 páginas, mas há também aqueles que contêm 32 ou 64 páginas. O cordelista, assim como o trovador medieval e o repentista, produz uma poesia para ser recitada em voz alta. Por essa razão, o texto é escrito em versos, com estrofes, métrica e rimas constantes, com o objetivo de torná-lo fácil de memorizar. No cordel, predomina a organização das estrofes em sextilhas (seis versos), setilhas (sete) ou décimas (dez). Os versos são setissílabos com esquemas rítmicos específicos (ABCBDB, por exemplo). Esse gênero apresenta estrutura de narração cíclica: situação inicial de equilíbrio; degradação da situação; a constatação do desequilíbrio; a tentativa do equilíbrio da situação inicial; a volta do equilíbrio inicial. (SÃO PAULO, 2010).
No Cordel tem-se, também, a presença de intertextualidade com as narrativas da tradição oral, fábulas, lendas, contos e romances da literatura universal. Estruturas composicionais diversas: peleja, ABC, uso de acrósticos, diálogo com o leitor ou ouvinte no início ou no final da narrativa etc. O recurso estilístico que são as marcas específicas da linguagem popular do poeta: léxico especializado, organizações sintáticas próprias, representação ortográfica mais próxima do português falado em algumas variantes. (SÃO PAULO, 2010). A classificação do Cordel como autenticamente popular nasceu dos próprios poetas: Leandro Gomes de Barros, Silvino Pirauá, José Galdino da Silva Duda, Zé da Luz, Patativa de Assaré, José Alves Sobrinho, Zé Melancia, Zé Vicente, José Pacheco da Rocha, Chico Traíra, João de Cristo Rei, Cora Coralina, Rodolfo Coelho Cavalcante, Altair Leal, Maria Hilda de Jesus Alão, entre outros. Vários escritores nordestinos foram influenciados pela literatura de cordel. Dentre eles: João Cabral de Melo, Ariano Suassuna, José Lins do Rego e Guimarães Rosa. Muitos antropólogos e historiadores estudam este tipo de literatura com o objetivo de buscar informações sobre a cultura e a história de uma época. (BRASIL, 2008). Em menção Zoppi-Fontana (2012, p. 01, grifo do autor): que o sujeito pode se constituir em autor do seu texto, assim como em leitor.” A expressão é, foi e fará parte da história da humanidade, uma linguagem sem fronteiras.  Argumenta Braga e Buzato (2012, p. 02, grifo do autor):

É fato que, ao longo da História, as comunidades sempre sentiram a necessidade de usar recursos externos para ampliar as possibilidades de trocas de informação. Somos seres sociais e precisamos da linguagem para interações [...] e evolução das culturas comunitárias.

            Nessa perspectiva nasce as múltiplas línguas de um país, o universo sociolinguístico.


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